Confessionário: Hector Babenco
Cineasta está finalizando ''O Passado'', que estréia em outrubro. Com Gael García Bernal, o longa se baseia no romance homônimo do argentino Alan Pauls
* por Armando Antenore
QUANDO o pai alfaiate sofreu um infarto duplo, uma garoa fininha esfriava a noite. Quilmes ficara para trás e os Babenco moravam agora em Mar Del Plata. O pai logrou escapar da morte, mas amargou lesões que o afastaram do trabalho. Um dia, às 8h, o filho recebeu a ordem incomum: "Esqueça o colégio. Você vai sair com o tio Henrique". Sair significava zanzar pelas ruas vendendo coisas. Hector virou comerciante, arrimo de família, e nunca mais freqüentou uma escola. Caiu no mundo sem concluir o ensino médio.- Hoje, desconfia de quem exibe uma porção de diplomas. Cursos de cinema em Londres, Paris ou Nova York? Nada o comove. Alunos aplicados sabem fazer. No entanto, dificilmente têm o que dizer.
MUITO ANTES de o pai adoecer, a mãe- também judia, de sangue polonês- presenteou Hector com 12 LPs de música erudita, uma coletânea que a revista Reader's Digest organizava. Àquela altura, a televisão da marca Zenith já dominara a sala dos Babenco. Mas, por estranho feitiço, assim que os discos chegaram, o garoto decidiu, sem notar que estava decidindo: entre a cachorra Lassie da TV e os concertos de Tchaikovsky ou Vivaldi, iria se curvar à sedução dos compositores.- Todas as noites, retirava-se para o quarto, colocava um dos LPs na vitrola e se deitava. Mal ecoavam os instrumentos, imaginava-se um trapezista. "Ôôôôô!'', maravilhava-se a platéia enquanto ele balançava no vazio. Após uma série de vôos esplêndidos, o corajoso acrobata deixava-se agarrar pela rede de proteção. O público, entregue, aplaudia despudoradamente.
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